quarta-feira, 8 de maio de 2024

O Brasil na lama

 O estado de calamidade causado pelo grande volume de chuva que atingiu, e atinge o Rio Grande do Sul.  evidência a união e o senso de solidariedade do brasileiro, qualidade que tanto faz falta por parte do Governo Federal. A catástrofe, fruto das mudanças climáticas, é um sopro de unidade diante mais de uma década de polarização extrema, houve politicagem, discursos de ódio e indiferença? Sim, mas partindo de falas infelizes de extremistas que não merecem ser evidenciados, o foco é a ajuda irrestrita ao povo gaúcho.

Empresários, influenciadores, artistas, pessoas anônimas, muitos dos quais demonizados por extremistas da esquerda, afinal nem só a direita tem seus extremos, tomaram frente no auxílio aos acometidos pelas chuvas torrenciais, enquanto isso a morosidade e o aparente desinteresse do governo central, trazem tons de uma retaliação velada das eleições de 2022. A tal frente ampla pela união, não demonstra uma unidade, basta lembrar da infeliz fala proferida pela ministra da igualdade racial Anielle Franco, que pede que Ciganos e Quilombolas sejam priorizados na entrega de água e alimentos. O critério de ajuda não deve levar em contra grupos étnicos, mas sim a necessidade, como em toda tragédia, resgata-se com prioridade aquele que esta em maior risco.

Ajudar é um ato humano, acima de ideologia, etnia ou religião, o Brasil que enviou no último mês de fevereiro 125 toneladas de alimentos para Cuba, enviou em sua primeira ação 18 toneladas de doações através da Força Aérea Brasileira, doação que não foi feita pelo governo. O também causa espanto é a demora na disponibilização de homens e equipamentos por meio da União, enquanto estados e municípios disponibilizaram aeronaves, equipes de salvamento e pessoas qualificadas para atuar em situações extremas. Empresários colocaram suas aeronaves à disposição e, estes somam hoje uma força tarefa maior do que a oficial.

Outro ponto que devemos levar em consideração, são os roubos e saques, principalmente na região metropolitana de Porto Alegre, não é de hoje que vivemos um caos na segurança pública, mas, é difícil aceitar que pessoas que perderam praticamente tudo, ainda sofram com a violência. As leis brasileiras, a educação falha, a complacência de setores do executivo, legislativo e judiciário com o crime, formam o ambiente ideal para o deleite dos criminosos.

Enquanto o povo se afoga, na calada da noite, como de costume, o governo protocolou a votação do Plano Mover, voltado para indústria automobilística, mas com um jabuti no meio, a proposta de taxar em 60% as compras de até US$50 em sites estrangeiros. O presidente que diz defender o pobre, mais uma vez lutando contra o que diz defender. Quem tem condições de viajar para o exterior é isento em mil dólares em mercadoria. A justificativa é a de priorizar o varejo nacional, que serve muitas vezes como um atravessador de mercadorias chinesas, tantos impostos, arrecadações recordes, mas nada de dinheiro para resgatar o próprio povo. 

A prioridade dada ao show da Madonna por parte da maior emissora do país é questionável, durante o final de semana o sul do país ficou em segundo plano, a Vênus Prateada poderia ter aproveitado a transmissão para divulgar ao menos a campanha oficial, afinal, um QR Code na tela estragaria o espetáculo? Como mea-culpa, na última segunda-feira, 6, a apresentação do principal noticiário do canal foi transferida para a capital gaúcha, o que não foi bem recebido pelos locais, que sofreram durante todo o final semana até serem notados. O show deveria ser cancelado? Não, a data já estava definida, o que realmente incomodou e segue incomodando boa parte dos brasileiros é a indiferença de parte da imprensa e a preocupação do presidente, torcer pelo Grêmio e pelo Internacional, o pão e o circo. Enquanto o que o Rio Grande do Sul precisa de pão, água e uma empatia sincera, não apenas a política protocolar.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

Correios: caro e imprestável

Se você já comprou algo através da internet, ou importou algo de maneira independente, certamente terá uma história negativa para contar sobre a experiência com os Correios, caso não tenha, considere-se uma pessoa de sorte. Ao longo dos anos tive diversas experiências comprando através de plataformas digitais, algumas ruins confesso, mas na esmagadora maioria das vezes, os incidentes se deram através da companhia estatal.

 Houve uma época na qual o Mercado Livre utilizava os serviços postais para entrega de mercadorias, lembro de ter de esperar mais de um mês para receber uma compra por conta de uma greve, no final o produto não era o que imaginava, resultado, além da espera, não pude reclamar do produto, o prazo para devoluções havia expirado.

Tive também experiências ruins comprando em marketplaces com sistema de entrega própria, inclusive com o próprio Mercado Livre, recentemente fiz duas compras com problemas, na primeira, o item comprado não era original, devolvi o produto e assim que a leitura do QR code foi efetuada, tive o reembolso. Em outra situação, no final do ano, ao invés de receber minha compra, por engano foi entregue um pacote com quatro caixas de pisca-pisca, fotografei, entrei em contato com o suporte, além de ser reembolsado não tive o ônus de devolver a encomenda. Outro caso também ocorreu com a Amazon, assim que o prazo máximo expirou, recebi uma notificação para confirmar ou não a entrega do produto, mais uma vez tive o reembolso, além de ser informado que caso a encomenda fosse entregue, poderia receber sem custo algum.

Nem tudo é maravilhoso no universo das gigantes da internet, tive problemas não solucionados como a demora na entrega, recusa na troca do produto com defeito e até mesmo extravio, porém, as experiências negativas ocorreram apenas em duas ocasiões pontuais há muito tempo. Um ponto positivo da pandemia, sem dúvidas, foi o avanço nas cadeias de logísticas focadas no varejo, o mesmo não podemos dizer dos Correios.

Após vencer o medo de comprar em sites chineses, esporadicamente tenho feito pequenas compras no AliExpress, já enfrentei atrasos por parte dos Correios, as compras que se perdem em Curitiba, por exemplo. Mas a partir de meados de 2022, passamos a enfrentar problemas com a entrega (meu pai também faz suas compras na China), simplesmente não entregam, alegam que o endereço não foi encontrado, o que não acontece com todas as encomendas, por milagre eles encontram o endereço em algumas situações. Uma das piores experiências que um brasileiro pode ter, dentre todas ruins em órgãos públicos, sem sombra de dúvidas é ir aos Correios.

O pesadelo já começa com o ambiente, geralmente mal iluminado, a concentração de pessoas desanimadas é o segundo passo, ao retirar a senha e olhar para o painel, o sentimento de ter perdido o dia toma conta, mas tudo bem, são vários guichês de atendimento, errado! Um ou dois funcionários para atender os mais diversos serviços e com uma má vontade de tirar o ânimo até da pessoa mais otimista. O tempo se arrasta, até você se dar conta que agora apenas uma pessoa está atendendo, em alguns momentos simplesmente não há uma única alma viva em guichê algum, nesse momento já não há mais brilho algum na alma.

Está chegando a sua senha, uma pequena esperança toma conta, mas não demora muito para sumir, começam os atendimentos preferenciais, bate-papo com conhecidos que postam encomendas com frequência, dez, quinze caixas, cada uma sendo pesada e medida individualmente e à passos de tartaruga. Você só pegar sua encomenda e sumir dali, mas tem a burocracia de informar o código, entregar seu documento, se der sorte o objeto está à mão, caso não esteja, mais uma espera para revirar entre caixas e pacotes aquele que te pertence, como de costume não há cuidado nenhum com os pacotes. Objeto em mãos, pedem para você colocar a data, número do documento e assinar um retalho de papel qualquer, que certamente irá para a lata do lixo assim que nos viramos.

Não existe serviço que entregue 100% de eficácia, mas fica claro a ineficiência dos Correios, a empresa enfrenta um déficit em seu quadro de funcionários há alguns anos, as entregas são feitas dependendo da região, por exemplo, entre o centro de distribuição de Osasco para a agência mais próxima de casa é caminho, não seria lógico que a entrega fosse efetuada durante este percurso? Ao questionar um entregador dos Correios, ele afirma que apenas encomendas menores são entregues, afinal, é o que o baú da motocicleta comporta, além de confirmar a falta de colaboradores que se propõe a efetuar entregas, a maioria prefere o serviço interno.

O serviço não é barato, existem além de todos os problemas aqui expostos, os extravios, produtos avariados e uma série de mentiras para na realizar a entrega, destinatário ausente, endereço fora de padrão, número não encontrado, dentre diversos outros entraves. A iniciativa privada consegue um serviço eficiente, cobrando menos e com prazos menores, não é perfeito, existem falhas, mas ao contrário da estatal, respondem às críticas e melhoram os pontos fracos assim que detectados, só de pensar que tenho que ir aos Correios, escrevi este relato, desejem-me sorte! Antes que me esqueça, há quem defenda que a estatal tome conta dos serviços de entrega de comida e transporte, que isso jamais ocorra. 

sábado, 19 de fevereiro de 2022

Osasco 60 anos: uma cidade em constante transformação

De distrito de São Paulo, ao segundo munícipio mais rico do estado, Osasco é uma cidade em constante transformação, antigo polo industrial que se transforma em centro comercial e de serviços, atrativa para empresas de tecnologia. Um município que precisa superar seus problemas e fazer as pazes com seu rico e esquecido passado. 



Osasco completa 60 anos de sua emancipação, porém, sua história vai além das seis décadas como munícipio, uma jovem cidade que se desenvolveu rapidamente. De um distrito de São Paulo considerado o "fim do mundo", Osasco logo assumiu sua vocação industrial, que hoje dá lugar ao comércio - segundo matéria vinculada na Folha de S. Paulo, no dia 3 de março de 2017, o calçadão fica atrás apenas da rua 25 de março em número de lojas, número que pode em breve ultrapassar o popular centro paulistano, com a ampliação do Shopping Galeria e construção de um shopping popular que está sendo construído no local do antigo Cine Glamour. Outra atividade crescente na cidade são as instalações de empresas de tecnologia, como as sedes do Mercado Livre, iFood, B2W Digital, além das empresas que estão migrando para o munícipio, graças ao incentivo fiscal, entre elas, Uber, 99 e Microsoft.

Atualmente a cidade ocupa boas posições nos indicativos econômicos, o segundo maior PIB do estado de São Paulo, ficando apenas atrás da capital e, oitava colocação a nível nacional, sendo a única não capital entre as 10 cidades com maior Produto Interno Bruto do país. A localização de Osasco é privilegiada, praticamente a esquina de São Paulo, cortada pelas rodovias Castelo Branco, Raposo Tavares, Anhanguera e Rodoanel Mário Covas, tornando-se também uma potência no setor logístico, como por exemplo, Grupo Pão de Açúcar, AmBev, Camil, além de dezenas de condomínios de galpões e transportadoras próximo ao seu complexo sistema rodoviário. 

O mercado imobiliário também é aquecido, boa parte graças ao custo menor do que o de São Paulo, cidade da qual faz fronteira ao norte, leste e sul. Não apenas o preço trona-se atrativo, o munícipio é atendido por grandes redes varejistas e atacadistas, contando inclusive com duas unidades do Atacadão, são 3 shoppings centers e há mais um em projeto. Complementares ao comércio do centro da cidade, diversos bairros contam com uma boa estrutura de lojas e serviços, o se torna conveniente em compras cotidianas. 

Grande cidade, grandes problemas

A maioria das cidades desenvolvidas, sofre com a ocupação desordenada do solo, em Osasco, o problema começa antes mesmo de sua emancipação. A cidade que leva o nome da cidade natal de Antonio Giuseppe Agú, imigrante italiano que no final do século XIX, comprou uma fazenda que deu origem ao distrito, posteriormente munícipio de São Paulo. Agú antecipava o espírito empreendedor da futura cidade. A primeira indústria fora uma olaria que fabricava telhas e tijolos de barro, posteriormente expandiu a produção para dutos cerâmicos (manilhas).

Contudo, era necessário escoar a produção, assim surgia em 20 de agosto de 1895, no quilometro 16 da Estrada de Ferro Sorocabana, uma pequena estação de trem, com uma pequena vila de casa para os funcionários da estrada de ferro. A Sorocabana sugeriu a Antonio Agú que batizasse a parada com seu nome, mas o italiano preferiu o nome de sua cidade natal, Osasco, uma pequena cidade na região de Piemonte no norte da Itália.

A estação funciona ainda hoje, após uma grande reconstrução no ano de 1976, e uma modernização recente - não concluída na última década. Apesar da localização estratégica, hoje é fonte de transtornos, graças a ocupação das áreas de várzeas do rio Tietê e do córrego Bussocaba, somadas a impermeabilização do solo por ruas e avenidas, além da canalização de pequenos riachos que percorriam a região central da cidade.

As inundações não geram prejuízos apenas para os comerciantes do centro de Osasco, atinge regiões do centro expandido, trazendo transtornos e perdas para motoristas e lojistas e, a periferia, uma vez que Osasco é cortada pelo Tietê e conta com afluentes poluídos, com leito assoreado e repleto de lixo e entulho descartado de forma irregular por moradores que vivem às margens desses cursos d'água. Outro problema relacionado a moradias precárias atingem diversos pontos do município, com casas em morros e encostas, sobretudo no extremo da zona norte, o lado mais pobre e subdesenvolvido da localidade.

Outra grande mazela da cidade é o sistema viário e o transporte público, muitos bairros contam com vias subdimensionadas para a realidade atual, gerando congestionamentos que impactam inclusive o sistema de transporte, rede que não sofre grandes transformações significativas há mais de 30 anos. Conforme a cidade cresceu para os extremos, as linhas de ônibus foram estendidas e poucas novas foram criadas. Os trajetos se sobrepõem por ruas e avenidas que levam ao centro e a região da Vila Yara, todo osasquense sabe que a cada 10 ônibus, pelo menos 8 têm o referido destino.

Faltam árvores em Osasco, a população costuma cobrar dos governantes nas redes sociais, mas são poucos os que tomam atitude e por conta própria plantam uma árvore na calçada de sua casa. Em algumas ruas as sombras são disputadas e quase sempre não são desfrutadas pelos proprietários do imóvel, afinal, uma arvore gera sujeira com suas folhas, mas o lixo que muitos despejam nas ruas e que agravam o problema das enchentes, parece não incomodar como o ciclo natural das árvores nativas.

A violência também entra nas pautas de discussão sobre a cidade, embora a fama adquirida nas décadas de 1980, 1990 e 2000, os índices de violência atuais estão dentro da média da Região Metropolitana de São Paulo. em 2002, o número de homicídios dolosos por 100 mil habitantes era de 54,82. Já em 2017, o índice foi de 9.91 assassinatos, levando em conta o mesmo número de moradores. Hoje a criminalidade foca em roubos, furtos, arrastões e recentemente, sequestros relâmpagos, afim de fazer transferência via Pix, mas nem de longe lembra o passado sangrento. Apesar da situação atual ser revoltante, em tempos de mídias digitais, tomamos conhecimento de mais crimes, o que nos passa a sensação de insegurança, ignorada no passado.

Passado esquecido

Em muitas cidades Brasil afora a população se orgulha da história daquela região, por mais que no presente sejam localidades estagnadas ou que decaíram com o passar dos anos. Osasco no entanto, tem muita história para contar, mas sofre com a apatia da grande parte de seus moradores que não conhecem a sua história. O museu da cidade, abandonado, reflete o esquecimento generalizado.

Voltando a época da exploração dos Bandeirantes, onde hoje está localizado o 4º Batalhão de Infantaria Leve do Exército Brasileiro, foi local de moradia do português Antônio Raposo Tavares, local que abandonou para desbravar os sertões do Brasil, afim de conquistar territórios para a coroa portuguesa. Existem histórias não comprovadas de que o Bandeirante esteja enterrado no destacamento que leva seu nome. O quartel de Quitaúna como é conhecido na cidade, também teve a passagem de outra figura polêmica na história recente do Brasil, Carlos Lacerda, integrante da Vanguarda Popular, responsável pelo sequestro do embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher, em dezembro de 1970. Grupo responsabilizado também pelo assassinato do soldado Mario Kozel Filho em 1968, no atual Comando Militar do Sudeste, localizado no Ibirapuera, em uma avenida que leva o nome de Kozel Filho.

O abandonado museu de Osasco, localizado na avenida dos Autonomistas, que leva o nome do movimento emancipatório, antiga estrada de Itu, é conhecido como Chalé Bricola, residência do barão Dimitri Sensaud de Lavaud, engenheiro, aviador e inventor. Lavaud era Espanhol de descendência francesa, naturalizado brasileiro, foi responsável por inventos como a hélice de passo-variável, além de ser um pioneiro na fabricação de um carro com câmbio automático. Mas o fato que liga o inventor à cidade de Osasco, foi o primeiro voo da América Latina, realizado em 1910, a bordo do aeroplano São Paulo, a aeronave percorreu 105 metros, a uma atitude entre 3 e 4 metros, no locar em que hoje fica a avenida João Batista, em frente ao esquecido museu.

A arquitetura também revela o descaso com o passado, a demolição do prédio da Hervy, herdeira direta da Cerâmica Osasco de Antonio Agú, hoje local do esqueleto que seria o novo paço municipal, que deve ser ocupado por empresas de tecnologia, uma imponente construção de tijolos que foi ao chão em nome do progresso que nunca veio. O prédio que abrigou o Cine Glamour, com uma arquitetura icônica que deu lugar a construção de um shopping popular nos moldes da Galeria Pajé, na rua 25 de março.

Outro cinema também foi alvo da desfiguração, respeitando a religião, o Cine Estoril no entroncamento da Salem Bechara, Autonomistas e Primitiva Bianco, hoje abriga um templo da igreja Mundial do Poder de Deus, teve suas características marcantes modificadas, praticamente uma mutilação da história. No encontro das mesmas 3 ruas, conta-se que havia um relógio, que ninguém sabe qual foi o paradeiro.

Algumas residências resistem à especulação imobiliária, que substituí residência com arquitetura antiga, por grandes caixotes de concreto em sua grande maioria, projetos pobres para uma cidade do porte de Osasco, há também o esquecimento de imóveis nos bairros de Presidente Altino e no degradado vizinho Bonfim. Arquitetura antiga desfigurada ou apenas as ruínas do que um dia abrigou famílias operárias.

Se por um lado a história é esquecida, não podemos ignorar o início empreendedor que acompanha esse município que chega a ser carismático apesar de seus problemas, sede de banco, industrias, comércio, serviço e tecnologia, uma cidade que cresceu e se transforma rapidamente. 

O osasquense não vai ao centro, vai para Osasco, não vai para São Paulo, vai para cidade, costumes da época em que  era penas um distrito e que rompe a barreira de gerações, a capital brasileira do cachorro-quente, que não pede a iguaria pelo nome, nem como hot-dog, mas de dogão. Que conhece o Osasco Plaza Shopping como Sai de Baixo, após a trágica explosão ocorrida em 1996. A cidade que acolhe o rico e o pobre, construída por migrantes e imigrantes, o que falta em Osasco? O orgulho de viver nesta jovem cidade de 60 anos.


sexta-feira, 19 de março de 2021

Relatos de uma vida acadêmica desastrosa - Parte IV

O prazer único dos trabalhos práticos

Para a maioria dos estudantes universitários, os trabalhos são uma parte terrível do curso, mas há quem se apaixone pela prática no jornalismo.

Primeira pauta externa, encontro mensal de antigos no Parque da Luz. Foto: Renato Oliveira.

Se a mudança de instituição trouxeram desafios desagradáveis, os trabalhos práticos - terror da maioria dos estudantes de jornalismo - eram fonte de um enorme prazer. No primeiro semestre, trabalhei com pessoas que não tinham comprometimento com as pautas, nem mesmo com os trabalhos teóricos, simples, porém maçantes. Por vezes tive que tomar a atitude, fazer a parte de outros membros, apenas pensando em entregar algo satisfatório. Trabalhar em equipe não é uma tarefa simples, requer respeito, comprometimento e uma boa dose sinergia. 

No segundo semestre minha sorte começou a mudar, foi a época que me aproximei mais das meninas que comigo formariam o trio mais conhecido pelos professores nos anos seguintes, primeiro me aproximei de Debora, não demorou muito tempo e estávamos fazendo um trabalho com Vinícius, do qual falarei mais adiante. Mas a aproximação de Angela foi a peça fundamental. Trabalhar com pessoas criativas e inovadoras é fantástico.

No final do primeiro ano de faculdade, nossa relação já havia rompido os muros e as grades do Campus, estava além inclusive da cerveja pós provas ou pós aula, era o início de uma amizade que levou inclusive a decisão precoce pelo tema do TCC, mas é um assunto do qual irei tratar na quinta e última parte desses relatos. 

Um início iluminado e repleto de história e nostalgia

Meu primeiro trabalho externo era de pauta livre, bastava entregar a proposta, um breve histórico do local escolhido e a relevância jornalística.  Na ocasião, uma experiência introdutória ao jornalismo literário proposta por Marcello Rollemberg, o qual citei diversas vezes nesta série de textos. Domingo 4 de setembro de 2016, tudo certo para fazer uma cobertura do evento mensal de veículos antigos no Parque da Luz.

Jornalista de primeira viajem, não fui sozinho, aproveitei a ocasião para fazer um dos tantos rolês com Lucas, aquele amigo de longa data que sempre topa qualquer tipo de passeio cultural ou não. Nos encontramos no início da manhã na Estação de Osasco e partimos rumo ao centro histórico de São Paulo. Um dia cinzento em época de campanha eleitoral municipal, mas o clima de forma alguma poderia atrapalhar aquela pauta e, assim foi, com uma ajuda de São Pedro, como diriam os mais religiosos.

A Estação da Luz já é um espetáculo, além de todo o estilo inglês do final do século XIX, a estação abriga o Museu da Língua portuguesa e, em sua fachada principal é possível admirar o Jardim da Luz e a Pinacoteca do Estado. Alguns quarteirões dali, está a também imponente Júlio Prestes, de estilo francês da mesma época e que abriga a Sala São Paulo, a mais aclamada casa de concertos do Brasil. Uma pena um local histórico e cultural ser abandonado pelo poder público e tomado por viciados e traficantes.

Saindo da estação, uma verdadeira confusão de pessoas caminhando por entre carros antigos da década de 1920 e, de um enorme e suntuoso Lincoln Continental verde, no melhor estilo dos anos 70, um carro enorme com toda pompa de um mafioso ou cafetão. Aos poucos a atenção aos carros se mistura com a busca por personagens para a matéria, dois senhores tocando moda de viola no interior do jardim ao lado de uma Kombi encurtada, mais adiante um Fusca rebaixado e um dono comunicativo, foi meu primeiro entrevistado, ainda com muita vergonha, mas consegui cumprir minha função. Mais adiante um senhor me chamou atenção, já na parte do evento dedica às vendas, quadros com desenhos incríveis de carros, aproveite minha afinidade com a arte e logo desenrolei uma entrevista em forma de conversa informal, as melhores na minha opinião.

Próximo da hora de partida, dois rapazes passam conversando em inglês, Lucas prontamente se oferece para ser meu intérprete e ali estava o fechamento da matéria, com um algo a mais. A percepção de um britânico e um espanhol sobre u uma exposição de veículos antigos em uma rua e um parque da cidade era algo fantástico e distante da realidade vivida por eles na Europa, eventos inusitados que apenas nós brasileiros sabemos como organizar. 

Minha segunda experiência em campo, foi uma entrevista ping-pong, perguntas e respostas diretas, nos moldes das páginas amarelas de Veja por exemplo. Não foi um trabalho com bom resultado, pequei muito nos erros de português e de concordância, talvez seja a emoção da entrevistas. Não é todo dia que temos a oportunidade de entrevistar uma pessoa que sobreviveu ao Holocausto, graças a contatos pessoais, entrevistei Nanette Konig, uma experiência incrível.

Os desafios do audiovisual no jornalismo

Os desafios da edição. Foto: Renato Oliveira.

Após a troca de instituição em 2017, os trabalhos ficaram mais elaborados e naturalmente mais práticos. Editoração com a recriação de páginas de revistas, folders e a criação de um infográfico, uma revista-laboratório, embora nunca publicada com relação direta com a disciplina anterior. Mas o maior desafio foi em rádio II, ainda mais para quem não havia cursado a primeira matéria desta mídia. Não bastando o desconhecimento da matéria e de sua dinâmica, fui colocado na função de assistente de direção por uma colega que não fazia ideia do que estava fazendo, no final fiquei sobrecarregado, assumindo também a direção geral e a redação.

A linguagem de rádio é muito diferente da escrita, o texto deve ser fluído e beneficiar a fala, um texto travado ou com palavras rebuscados, não funcionará no dinamismo do rádio. Outro grande desafio era cobrar o deadline, prazo final de entrega dos textos e, organizar as notas seguindo a sua importância, alternando com as falas do estúdio e entradas ao vivo. Um desafio superado. No final do semestre, um programa de entrevista em tempo real, o tema eram os diferentes tipos de família, entre os convidados, Rogério Magalhães, cabelereiro da Gisele Bündchen e, deixo aqui uma singela homenagem ao desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, Antônio Carlos Malheiros, sempre envolvido em causas sociais, que faleceu na semana em que este texto está sendo escrito.

O nível subiu naturalmente em telejornalismo, apesar do texto ser parecido com o do rádio, a imagem também fala, portanto, torna-se necessário mais uma vez modificar a forma de escrever. Outro desafio é lidar com a imagem, se ouvir a própria voz causa incomodo à maioria das pessoas, lidar com a própria imagem é um desafio ainda maior. Ler o teleprompter  com naturalidade é um desafio, a entonação da voz, os gestos e claro, o dinamismo, ninguém assiste um programa por muito tempo quando o apresentador faz pausas muito longas ou, atropela as próprias palavras.

Na primeira fase do telejornalismo, a produção de um programa de entrevistas foi o grande desafio, fui escolhido o apresentador. Nessa época, foi quando Vinícius se juntou definitivamente ao nosso grupo, nossos temas sempre buscavam se distanciar do comum. Enquanto os demais grupos convidaram jornalistas, optamos por um humorista, Marcelo Beny, o Bananinha do Comando Maluco (não confunda com o filho do presidente). Um programa mais leve, seguindo estilo talk show, um simulado de ao vivo com inserções feitas em tempo real, mas gravado e posteriormente editado, na época estava aprendendo a editar por conta. O maior desafio não foi apresentar o programa, mas o preparo, nada de café, comidas gordurosas ou bebidas geladas, a falta da cafeína acabou me deixando ainda mais nervoso, mas no final, tudo correu bem.

Durante a produção do telejornal, a produção das matérias foram a parte mais simples e divertida, a primeira externa com equipamentos emprestados da faculdade, a curiosidade das pessoas nas ruas, alguns faziam brincadeiras, outros mais curiosos perguntavam sobre a finalidade das filmagens. Ainda faltava um especialista para falar sobre danos do asfalto ruim nos automóveis, em um grupo de Facebook, encontrei um engenheiro que topou conceder a entrevista, uma aventura de trem entre Osasco e Santo André no ABC paulista, tudo pelo jornalismo. 

Toda a montagem do telejornal ficou sob minha responsabilidade, assim como a assistência de direção e operação de teleprompter, nessas horas todo mundo foge, nunca havia operado o equipamento, mas foi simples, apesar do estresse de mais uma vez ter acumulado funções. O maior orgulho é ter entregue o programa editado na data limite, o outro grupo simplesmente não entregou o material.

Do fundo do poço aos céus

Os desafios de lidar com a imagem.
Foto: Debora Antunes
Nem todo trabalho é um sucesso absoluto, a grande reportagem, último grande trabalho com a participação de Debora, no semestre seguinte ela teria que trancar a matrícula por questões financeiras. Escolhemos um tema do qual os quatro membros de rua tinham certa afinidade, pelo menos consumidor, comida de rua. Angela saiu na vantagem por ter cursado mesmo sem concluir gastronomia. 

Durante as primeiras gravações tudo correu bem, mas com o passar dos dias de externas, barulho em excesso, pessoas passando em frente as câmeras e os engraçadinhos atrapalhando as passagens, gravar domingo na Paulista pode ser desafiador. Em uma ocasião, Angela, Debora e eu, fizemos uma enorme jornada, passando o dia na rua, da Paulista direto para Barueri encontrar Vinicius e fazer um contraponto com restaurantes da região de Alphaville.

Gravar durante a noite foi o início da derrocada ladeira abaixo, cenas escuras e problemas no áudio, não fosse isso, ainda errei o nome de uma das entrevistadas no GC. Ainda faltavam imagens e entrevistas para compor a reportagem, mas a greve dos caminhoneiros de 2018, atrapalhou toda a agenda e desenvolvimento do trabalho. Passando a greve, tentamos retirar os equipamentos, mas por ter expirado o prazo, não poderíamos retirar sem uma nova assinatura da professora, não conseguimos, mas o diretor geral, autorizou o empréstimo. Trabalho concluído, a vergonha na hora de passar para a turma, a diferença na iluminação, oscilações no áudio, uma verdadeira tragédia. Só não foi pior porque a professora Carina Martini, apesar de muito rigorosa, reconheceu nosso empenho em tentar produzir uma boa reportagem.

Em paralelo com a grande reportagem, trabalhávamos na produção de um storytelling, outro grande desafio, dessa vez havia a necessidade de ser algo mais artístico e encontrar um bom personagem. Zeus Tristão dos Santos, um jovem que estava prestes a se tornar juiz, descobriu um câncer e decidiu cursar medicina. Uma história fantástica, um trabalho extenso e, na visão do professor um trabalho que careceu de emoção e detalhes de edição. 

Sexto semestre, após uma etapa de tropeços, uma oportunidade de redenção, documentário. Apesar de ser um desafio ainda maior, pesquisa extensa e correria atrás de fontes, o tema foi mais caseiro, resgatar a história da cidade de Osasco. Pauta sendo construída, já estava atrás das fontes, pauta aprovada, entrevistas marcadas, começaram os problemas.

A fonte mais importante, membro da família Agú, que foi responsável por fundar a cidade, teve que cancelar a entrevista, outras fontes não respondiam, a solução foi drástica, Angela e eu, em um dia chuvoso fomos em busca de personagens. TV Osasco, Sindicado dos Comerciários, Junta Comercial, lojas tradicionais, tudo embaixo de chuva atrás de boas histórias sem muito sucesso. 

Uma fonte muito importante não cancelou, Nivaldo Cariatti Junior, meu professor de geografia no ensino médio e grande conhecedor da topografia, população e história osasquence, além, de ser um dos sobreviventes da tragédia do Osasco Plaza Shopping em 1996. No dia da gravação fomos expulsos das dependências da Biblioteca Municipal, da qual na semana seguinte não fomos autorizados a gravar, bem como na prefeitura e câmara de vereadores. Mas nada supera as ameaças sofridas de forma velada por um guarda do Osasco Plaza Shopping e, explicitamente por uma segurança da CPTM, na Estação Osasco, ponto fundamental para o desenvolvimento do vilarejo que viria a se tornar uma das mais importantes cidades do Brasil.

A criatividade de Vinicius, nos levou ao bairro de Quitaúna, nas imediações do colégio Pio X, conseguimos mais duas fontes que contaram um pouco da história deles na cidade. Vale citar a participação de Bruno dos Anjos, um dos fundadores da Osacomedia, página que mistura humor, serviços e resgate da história da cidade. Foram visitados os acervos do Hagop Garagem e Jorge Kalamakian, membros da grande comunidade armênia de Osasco e, responsaveis por presevar mais a história do que o poder público, inclusive o museu municipal está praticamente em ruínas, além de ter sido saqueado ao longo dos anos.

Um trabalho que serviu como a redenção e foi um laboratório para o TCC, mudanças de percurso e, dificuldade em conseguir fontes históricas e oficiais, justificam o título de cidade sem história, mas o trabalho, esse entrou para história com uma bela nota 10. 

Parte I

Parte II

Parte III

Parte V

sábado, 13 de março de 2021

Relatos de uma vida acadêmica desastrosa - Parte III

Anos de mudanças, desafios, aprendizados e intrigas 

Todo processo de mudança trás consigo desafios, as marcas ficam, mas sentir na pele pode proporcionar experiências que apenas a pressão é capaz de promover.



Como dito na parte II

Jornalismo como ele é, na prática, a vida atrás da câmera é assim!
Foto: Angela Lavagnolli
, 2016 começou com uma viagem ao interior, destino repetido em dezembro, desta vez não foi tão tranquila, chuva forte durante todo o trajeto, não apenas o clima estava pesado, mas meus pensamentos ainda estavam na faculdade, no dia dia 12, havia uma reunião marcada com o coordenador Marcello Rollemberg com o objetivo de saber qual seria o final derradeiro daquela epopeia. Retornei na manhã daquela segunda feira, ainda cansado da viagem chuvosa, naquela noite aconteceu a reunião. Ficou combinado que as provas seriam aplicadas na quarta-feira e na quinta-feira daquela mesma semana pelo coordenador, os demais professores se recusaram a aplicar a prova, direito deles? Sim, mas que teria a consequência de um semestre e, um ano letivo perdido para todos.

Ainda nas primeiras semanas daquele mês de dezembro, havíamos participado de uma outra reunião, desta vez com a coordenadora de jornalismo de outras instituição. O Campus era bem menor, por outro lado, havia uma estrutura muito mais moderna e completa para o curso, estúdio de rádio e TV, além das facilidades como ônibus fretado saindo de Osasco para o bairro da Lapa na capital paulista, apesar da proximidade entre as localidades, a faculdade ficava em um ponto não muito privilegiado para quem pretende chegar até lá de trem, além de distante da estação, um ponto industrial do bairro próximo da Marginal Tietê. Não nego que fiquei receoso, parecia tudo bom demais para ser real.

Assim como todo aquele ano de 2016, as coisas foram um tanto esquisitas. Em anos não comemorava meu aniversário com Lucas e outros amigos em comum, das novas amizades, Angela passara o final de ano em Pernambuco, no final era Debora, uma amiga e eu. Nos encontramos na estação de Osasco e fomos rumo a região da avenida Paulista. Era uma típica sexta-feira de verão, 30 de dezembro, dois dias após meu aniversário, passamos em um bar que já havia virado ponto de decisão, na esquina da Frei Caneca com Antônio Carlos. Antevéspera de reveillon, decidimos descer a Augusta e no meio de tanta indecisão, comemorei meu aniversário em uma balada open-bar.

Aquela virada de ano teve um gosto especial, não foram as horas mal dormidas de quem madrugou na base do gim com soda, ou a bebida se misturando com a ressaca da noite anterior. Era a esperança de um 2017 melhor, um recomeço, da forma que fosse, seria uma virada de página, para o bem ou para o mal.

A mudança de instituição: um recomeço turbulento

Toda mudança trás impactos, mudar de instituição não foi diferente. Uma semana antes do início das aulas, já com o histórico e conteúdo programático em mãos, uma reunião com a direção e realmente, cumpriram o prometido, teríamos o transporte e, a melhor parte a bolsa de estudos, no meu caso, pagando menos do que no semestre anterior e com desconto nos semestres em que haviam disciplinas já cursadas.

Enfim primeiro dia de aula, todos juntos procurando pela turma do terceiro semestre de jornalismo, sala Z11, aquele sistema de nomear corredores era complicado no início, mas logo se tornou algo lógico e mais simples do que aparentava. Chegando na sala, lembrei que em uma entrevista para estágio, havia conhecido uma estudante daquela faculdade, surpresa perguntou "o que vocês está fazendo aqui?" Expliquei por cima a história e e nos acomodamos na sala.

Em pouco tempo a realidade começou a mudar, o clima de competição tomou conta da turma, que pareciam turmas separadas. Em algumas matérias, como a disciplina de rádio, não tinha jeito, havia uma união mesmo que temporária, o que amenizava a semana em plena sexta-feira.

Com o passar do semestre, algumas semanas bastaram para que comparativos com a antiga instituição começassem a ser feitos, era outra realidade, outro método de ensino. Em pouco tempo, passei a demorar para voltar do intervalo, o niilismo coletivo dominou. Dias era a desculpa de que era difícil comer algo em 20 minutos, depois, a aula, o professor ou a turma eram falsas. Vezes alguns fumavam maconha, outras a distração era a cerveja comprada no Barba.

Diversas vezes percebia que atrapalhava a aula entrando atrasado, algumas companhias que percebi que não eram boas, propositalmente "causavam". Certo dia, Angela ficou nervosa e voltou para aula no horário, fui logo em seguida, àquele momento já estava entendendo que aquele comportamento e ações acabariam com um sonho, saí e fui falar com Debora, na hora, no embalo, foi a única vez que fiquei chateado com a atitude dela. Mas depois de uma conversa franca, nos acertamos e passamos a não perder tempo com as tentações do exterior da faculdade.

Chegada as primeiras provas, corri atrás do prejuízo, estudei o básico do InDesign, a prova de editoração era prática e em duas semanas tirando dúvidas, dominava minimamente o que seria cobrado na avaliação. Estreitei laços com os professores e aos poucos peguei o ritmo e o método empregados ali. Resultado das provas entregues, não demorou muito para a turma da fumaça, um a um, abandonando o curso. Voltei a ter a empolgação do início do curso.

Os semestres foram passando, trabalhos práticos incríveis realizados, uma ampla liberdade na escolha dos temas, equipamento disponível para realização de externas, um sonho, apesar de alguns colegas que foram para a mesma faculdade repetirem exaustivamente que não estavam aprendendo nada, eu conseguia acumular conhecimentos, sempre me aprofundando nas pautas propostas, era o fascínio de viver a profissão na academia.

O desafio de  dividir sala com uma turma de outro curso

A competitividade e as brigas se acirraram com o passar dos semestres, mas existia algo pior. Dividir uma disciplina com uma turma de outro curso pode ser uma oportunidade para expandir conhecimentos, estudantes de jornalismo tendem a ter facilidade em lidar com alunos de publicidade e propaganda e produção audiovisual, por exemplo. O maior problema é que você junta aspirantes ao jornalismo com discentes de relações públicas.

Na minha experiência, não tenho capacidade, nem mesmo a pretensão de generalizar, a turma da qual dividi diversas disciplinas era complicada, pessoas ávidas por conversar o tempo todo, quase sempre em volume que atrapalhava a aula, deboches, desprezo e senso de competição também eram frequentes. 

Mas por quê existe essa rixa entre as carreiras? A minha conclusão no caso em questão era o coordenador de RP, em uma aula de marketing, sem cerimônias, ele teve a coragem de dizer que não gostava de jornalista, mas por qual motivo? Bom, em algumas funções, o trabalho pode ser executado por profissionais de ambas as áreas, basicamente elas são: assessoria de imprensa e gestão de crise. A diferença acaba sendo a abordagem, um jornalista irá resolver uma crise pensando na percepção do público e na repercussão do caso, o relações públicas executará algo semelhante, mas o papel maior dele será voltado a defender a empresa, entidade ou figura pública.

Em uma ocasião, o professor que lecionou aulas de empreendedorismo, branding e assuntos relacionados, propôs uma ação no qual os grupos venderiam brigadeiros, pensando em posicionamento de mercado, público alvo, valores investidos e, claro o lucro. A maioria decidiu fazer os próprios brigadeiros, mas o vencedor, além de ter comprado os doces, subfaturou o valor investido, resultado: venceram a competição e, como combinado, o prêmio que era o lucro de todos os grupos somados. Uma verdadeira amostra de desonestidade e hipocrisia, afinal, a grande maioria dos integrantes vitoriosos viviam criticando a corrupção e os esquemas ilícitos que enriquecem políticos e empresários.

O momento de dar o troco não tardou, se não me falha a memória, as matérias administradas pelo professor Rafael Navarro, era Branding. Uma das aulas, uma nova gincana, dessa vez cada grupo teria 1 minuto para adivinhar o maior numero de marcas. Parte da turma de jornalismo acabou indo embora, alguns relações públicas não estavam presente, ficou decidido que seria curso contra curso. O esperado é que rp tenha maior familiaridade com marcas e seus logotipos, mas não foi o que aconteceu e, como se o destino colaborasse de alguma forma, a maior parte das marcas que vieram para o meu grupo eram de fabricantes de carros ou faziam parte do universo automotivo. Em resumo, tentaram atrapalhar, mas empacaram em uma marca que o logo era uma letra "i", enquanto se perguntavam o que era aquela letra, eu conhecia a marca, faço que vou responder e proferi as seguintes palavras: "é 'i' de Irineu, você não sabe nem eu!" Uma clara alusão ao meme que resultou em risadas até mesmo do professor.

No final das contas, não guardo mágoas dos mal professores, nem mesmo dos outros colegas de jornalismo ou não, dos quais tive alguma diferença ou discussão. Afinal, na faculdade acabamos lidando com diferentes tipos de pessoas, diferentes métodos de ensino e, essa é a parte do aprendizado que muitos valorizam apenas após muitos anos. Muitas vezes a idade e a maturidade, abrem nossos olhos no reconhecimento precoce desta parte da vida universitária.

Parte I

Parte II

Parte IV

Parte V

segunda-feira, 8 de março de 2021

O pioneirismo e a força da mulher

Embora a história comprove que a mulher tem um papel fundamental no início da indústria automotiva, ganhou os céus nos primórdios da aviação, há ainda resistência em uma das principais categorias do esporte a motor.

Bertha Benz. Foto: Mercedes-Benz

Existem diferenças entre homens e mulheres, dos quais a biologia explica, porém, existe no ser-humano uma incrível capacidade de adaptação e, vontades e necessidades que facilmente subvertem leis biológicas, sociais ou morais. As mulheres por muito tempo foram vistas como frágeis, em alguns países como o nosso é comum ainda em pleno 2021, ainda exista um machismo tão presente, que é capaz de subjugar mulheres como inferiores em tarefas cotidianas como dirigir por exemplo. Mas muitos deixam de lado um fato histórico, uma mulher foi a responsável por viabilizar os carros no final do século XIX.

Esposa de Karl Benz, responsável pela patente do primeiro veículo a se locomover por meios próprios, através de um motor de combustão interna, Bertha Benz, acompanhada por seus filhos Richard e Eugen. Partindo de Mannheim com destino a Pforzheim, uma distância de 106 quilômetros - um percurso banal para os dias atuais, mas imagine-se em agosto de 1888.

Não existiam estradas, oficinas mecânicas ou postos de combustíveis, todos concertos foram realizados por Bertha, quando faltava força ao pequeno motor do Motorwagen Model III, seus filhos eram responsáveis por empurrar o veículo nos aclives mais acentuados, os quais o carro não conseguia transpor por meios próprios. Há relatos que a pioneira desentupiu o cano de combustível usando um alfinete de seu chapéu e, na cidade de Wiesloch, comprou combustível de um químico local.

Chegando a Pforzheim, Bertha e os filhos passaram alguns dias na casa de sua mãe, não sem antes enviar um telegrama para seu marido, que então não sabia o destino de sua família, comunicando o sucesso da aventura. Retornaram para Mannheim, completando assim a primeira viagem longa de automóvel, guiado e consertado por uma mulher.

Pioneirismo nas alturas, o céu não é o limite



Raymonde de Laroche, em 1909, a primeira mulher a conquistar os céus de Paris. Foto: Wikimedia

Apenas três anos após Alberto Santos Dummond, realizar o primeiro voo em Paris, em setembro de 1906, os céus da capital francesa era agraciado por um feito, que na época era totalmente revolucionário. Aos 27 anos, no dia 22 de outubro de 1909, Raymonde de Laroche, nome artístico de Elisa Léontine de Laroche, foi a primeira mulher a levantar voo sozinha, orientada pelo aviador Charles Voisin. 

Em 8 de março do ano seguinte, Raymonde recebeu sua licença de piloto, através da Federação Internacional de Aeronáutica. Em julho do mesmo ano, Laroche participava de um show aéreo em Reims, quando seu avião caiu, provocando ferimentos graves, a piloto levou dois anos para se recuperar.

Durante a Primeira Guerra Mundial, serviu como motorista do exército francês, conduzindo oficiais até os campos de batalha. Em 1919, Raymonde estabeleceu recordes de atitude: 4800 metros e, distância: 323 quilômetros percorridos em um voo por uma mulher. No mês seguinte, um acidente tirou a vítima de Laroche que atuava como copiloto em um avião experimental, uma estatua à sua memória foi erguida no Aeroporto Paris-Le Bourget.

Não é difícil encontrar mulheres que realmente lutaram pela igualdade de genero na história, podemos citar Amelia Earhart, primeira mulher a cruzar o Oceano Atlântico. Maria Teresa de Filippis, a primeira mulher a guiar um carro de Fórmula 1 nos anos de 1958 e 1959, Lella Lombardi, a primeira a pontuar na categoria no GP da Áustria de 1976. Outras mulheres também correram em carros da Fórmula 1, mas a última a pilotar oficialmente foi Giovanna Amati em 1992.

Diversas categorias do automobilismo contam com mulheres em seu Grid, mas a Fórmula 1 continua restringindo as mulheres como pilotos de teste. Nos últimos anos Lewis Hamilton, piloto da Mercedes, tem sido forte defensor da presença feminina na competição, afinal, a história nos mostra como a mulher pode desempenhar muito bem funções que para muitos, é "coisa de macho". Pode parecer engraçado, mas a mulheres ganharam a imensidão dos Universo, mas não podem disputar um campeonato de uma das principais categorias do automobilismo, um verdadeiro clube do bolinha.

sexta-feira, 5 de março de 2021

Relatos de uma vida acadêmica desastrosa - Parte II

Um ano de aventuras e oportunidades

Nem sempre as coisas acontecem conforme planejamos, mas é preciso enxergar as oportunidades que surgem quando menos esperamos.

A primeira aventura do ano, sem sinal de telefone e internet, às margens do Rio Paranapanema, na outra margem, o estado do Paraná. Foto: Renato Oliveira

O ano de 2016 não começou com grandes perspectivas, mas as coisas haviam mudado, meus pais estavam dispostos a ajudar com a faculdade, afinal era um investimento em educação. No final de janeiro embarquei em uma aventura com meu pai, um tio e meu irmão, uma sexta-feira típica de verão, calor e no final da tarde o tempo estava para chuva, mas a viajem transcorreu mesmo assim. Quatro homens da mesma família, abordo de um Gol 1991, carro que meu pai adquirira no início de 2013, que após muito trabalho de funilaria, trocas de peças e revisões mecânicas estava naquele momento, 3 anos depois de cuidados, prestes a encarar 460 km/h até o oeste paulista.

Saímos após uma chuva rápida, enfrentamos um pouco de trânsito no trecho urbano da rodovia Castelo Branco, normal para o horário em uma sexta-feira. Sem maiores complicações, até a aproximação de Sorocaba, quando o termômetro começou a indicar que o motor estava aquecendo. Uma parada no acostamento, uma olhada rápida no sistema de arrefecimento, não parecia fora do normal, inclusive com a retirada da válvula termostática - não recomendo a retirada da peça, ao menos em casos extremos ou mal funcionamento. O ponteiro insistia em ultrapassar os 100 graus centigrados, após duas paradas, a conclusão, o problema estava no painel. Seguimos viagem e por volta da meia-noite chegamos ao nosso destino. 

Sábado com sol, apesar da chuva forte da madrugada. Um dia para observar a natureza, não fazer quase nada isolado sem sinal de celular ou internet. Algumas fotos da paisagem, do rio Paranapanema, claro sob sol forte e muito calor. No final do dia um churrasco quase interrompido por uma tempestade de verão, mas tudo certo, domingo pela manhã enfrentaríamos cansativas horas de viagem no retorno a São Paulo.

Choveu praticamente toda a noite, o dia alvoreceu ameno, mas os pássaros como de costume cantavam, um banho rápido, um café puro sem muita frescura e pé na estrada. Ainda pelas estradas vicinais do interior, o carro começa a falhar, havia combustível no tanque, encostamos em local seguro com uma grande área de escape, com uma distância por volta de 10 metros da faixa de rodagem. Importante para quem pretende se aventurar com um carro antigo, saiba o mínimo de mecânica e conheça o funcionamento do carburador que equipa o seu motor. Filtro de ar removido, verificando os giclês, um pedaço da vegetação aparentando um fragmento de folha de cana-de-açúcar fora responsável pelo defeito.

A viagem por fim transcorreu bem, até a aproximação com a região metropolitana de São Paulo, a essa altura já não suportava mais a dor no joelho direito, provocada pelo pouco espaço no banco traseiro do Gol, uma ação policial acabou com a prisão de assaltantes nas proximidades de Itapevi, atrasando o retorno em mais de uma hora e meia. Enfim em casa, hora de descansar e atualizar as redes sociais. 

Em uma conversa com o mesmo amigo de longa data, fiquei sabendo que a faculdade na qual ele estudava estava com vestibular para vagas remanescentes, a ideia era fazer o vestibular no meio do ano. mas acatei a ideia de iniciar ainda no primeiro semestre. Incitaria o curso com alguns dias de atraso, mas não pensei muito e no mesmo dia fiz minha inscrição, a prova seria na terça-feira.

O início de uma nova jornada

Primeira pauta externa: encontro mensal de veículos antigos no Parque da Luz. Foto: Renato Oliveira

Uma semana extremamente corrida, a prova foi realizada em um computador, no dia seguinte, saiu o resultado, uma instituição de ensino privada obviamente aprovaria qualquer um. Quinta-feira corrida, separando documentos e no dia seguinte, matricula realizada. 

Após um final de semana de descanso e preparativos, a segunda-feira passou voando. Final da tarde, enfim se aproximava o momento em que me tornaria de fato um calouro. Minha mãe no final de suas férias me levou de carro, desci rapidamente, passei pela catraca e perguntei ao segurança onde ficavam as turmas de jornalismo, não soube me explicar, então comecei a jornada por aquele Campus que ocupa quase 400 metros da avenida Franz Voegeli. Após 20 minutos aproximadamente consegui me encontrar, havia entrado praticamente de frente para o local da minha sala, o bloco amarelo.

Ao chegar na porta, sinto um frio na barriga, bato educadamente e entro pedindo licença, naquele momento todos se viram e acompanham minha breve caminhada até a mesa do professor, que recusou o papel que dizia que estava entrando na turma e logo me deu as boas-vindas. Era Luiz Carlos Seixas, professor de Política e Realidade Socioeconômica Brasileira, que apesar de divergências sobre as maneiras de pensar o país, tenho ainda hoje muito carinho e admiração. Aos poucos os colegas foram se apresentando, ainda tímido permaneceria reservado por mais alguns dias.

Conhecendo os demais professores, o encantamento com as aulas, a maioria teórica, exceto pelo coordenador do curso, Marcello Rollemberg, a voz que forte preenchia a sala, não demorou muito e nos foi passada a primeira tarefa: "saiam, vão para a rua e voltem com uma notícia!" Sabia que não era brincadeira, mas uma colega incrédula riu e ouviu uma bronca homérica. Na aula seguinte entendi o método, um professor exigente, porém um grande jornalista e um ótimo educador, sempre corrigindo os erros.

Andei boa parte do semestre com o cara mais esquisito da turma, recordava dados com extrema facilidade, mas era muito repetitivo, insistia em falar apenas de futebol e do Palmeiras, seu time do coração, como ele mesmo dizia: "por ser descendente de italianos". Conversava com praticamente todos da turma, me aproximei mais de alguns do que de outros, fiz amizades que cultivo até hoje, 5 anos depois.

Sempre participei das aulas ao meu jeito, muitas vezes parafraseando os professores como forma de certificar que havia compreendido o conceito, admirado por alguns, talvez detestado por outros, mas nunca me neguei a explicar os conceitos dos quais tinha facilidade com quem quer que fosse. Faculdade não é competição, sempre pensei assim, mas um local de crescimento pessoal e coletivo. E assim foi o primeiro semestre, sem grandes complicações, um exame, mas nenhuma dependência, como no restante do curso.

Da calmaria surge a tempestade

Pateo do Colégio: local de nascimento de São Paulo, no dia que nasceu uma grande amizade, um domingo cinzento de setembro. Foto: Renato Oliveira

Férias de julho, tudo corria bem, ainda no primeiro semestres, já me candidatava à vagas de estágio, algumas entrevistas, mas sem sucesso, mas não desanimava, afinal, tinha plena consciência de que seria difícil conseguir uma oportunidade nos primeiros semestres. 

Voltando às aulas, novos desafios, tudo corria bem, a regularidade das aulas era a mesma, raramente algum docente se ausentava, entretanto a aparente calmaria guardava por meses conturbados, a incerteza não tardou a ser instalada. O período das provas seguiu ainda dentro de uma normalidade, mas era nítido que muitos dos professores já não escondiam a insatisfação, alguns claramente estressados, outros desanimados, desmotivados e as faltas que passaram a ter uma certa frequência.

No período pós avaliação, alguns professores começaram a desabafar em sala, não imagina que aquilo seria possível. Uma instituição com 50 anos de história não pagava o salário há pelo menos 18 meses, com toda razão eles fizeram diversas manifestações. Mas para os alunos era desesperador, qual seria o destino de tudo aquilo? Perderíamos o semestre? Mesmo com todo esse cenário desfavorável, algumas coisas boas aconteceram, me aproximei mais de Angela e Debora, minhas maiores amizades da faculdade para a vida e, no dia 25 de setembro, aniversário de Debora, fizemos uma aula na rua pelo Centro de São Paulo, um domingo chuvoso e frio que foi essencial para selar de vez a amizade.

No meio de tantas incertezas, não participei das manifestações presencialmente, mas não desmotivei ninguém a participar, por diversas vezes aparecia no Campus mesmo sem aulas para conversar com colegas, amigos e, esporadicamente uma reunião com professores ou mesmo uma conversa mais informal com alguns deles. A importância desses encontros foram únicas, àquela altura, a maioria dos alunos perderam a confiança no coordenador do curso, mas me dispus a conversar, compreender e perceber que cada um sofre do seu jeito. Foi no momento que coloquei na prática um dos maiores aprendizados que tive com Rollemberg, que um jornalista deve mais ouvir do que falar, eu o ouvi, assim como fiz com os demais.

A crise apenas se agravara - ainda hoje os professores não receberam o que lhes é de direito, muitos inclusive tiveram que vender seus veículos, outros chegaram a ser despejados, uma situação terrível. Minha maior preocupação, não deixando de lado a empatia, era sobre o final do semestre, concluir o primeiro semestre teoricamente tornaria mais fácil a mudança para outra instituição. Alguns professores aplicaram as provas, outros se recusaram e assim terminou o ano de 2016.

Não havia mais esperança, nem mesmo ânimo para buscar uma alternativa. Algo me confortava: "pode contar comigo, não deixarei vocês na mão", foi uma das frases que mais marcaram nas conversas que tive com Rollemberg. Muitos não acreditavam em suas palavras, afinal não fazia parte dos grevistas como disse acima, mas dei o meu voto de confiança a quem sempre tratou comigo o assunto com sinceridade. Um jornalista que não confia em uma fonte por se opor à maioria, não saberá jamais dar voz a quem está do outro lado de uma narrativa. Assim foi aquele ano turbulento que não terminou no dia 31 de dezembro.

Parte I

Parte III

Parte IV

Parte V

segunda-feira, 1 de março de 2021

Dados distorcidos: a mentira baseada na verdade

Nem sempre é preciso mentir para disseminar uma desinformação, manipular dados, omitir informações é um recurso normalmente utilizado para dar credibilidade a informações duvidosas.


Imagem: commons wikimedia


A mais recente investida dos que negam a gravidade da situação brasileira, utiliza-se da lotação das UTI's como alvo. Circula nos últimos dias nas redes sociais, um suposto médico clamando para que deixem de noticiar a lotação das unidades de terapia intensiva, a publicação ressalta que esses leitos sempre estiveram lotados. Não é mentira que as notícias sobre pessoas que lutam por uma vaga de UTI não são recentes, mas algo que não é levado em consideração é que o problema não afeta mais apenas a rede pública, mas atinge a rede privada de saúde, inclusive hospitais de referência como Albert Einstein e Sírio Libanês, por exemplo.

Desde o início da pandemia, em meados de março de 2020, somos atacados por inúmeras notícias falsas, algumas buscam relativizar a gravidade da Covid-19, outras negar a existência da doença. Em muitos casos, não há mentira, mas sim uma manipulação mal intencionada de dados. Quando os números de mortes começaram a sair do controle, uma estratégia semelhante foi adotada. Na ocasião, diziam que era errado comparar o número absoluto, mas que deveriam ser divulgados em mortes por milhão de habitantes, mas a situação atual nos mostra que o cenário não seria menos absurdo se valendo desta estratégia.

O que devemos ter em mente, é que nem toda fake news trás consigo notícias absurdas, mas muitas distorcem dados, omitem números, relativiza dados e tenta passar credibilidade. Por mais que a confiança nos meios tradicionais de imprensa esteja em baixa, é necessário reconhecer o trabalho feito pelos jornalistas sérios. As fontes no jornalismo não são genéricas, trazem nome, sobrenome, relevância na área em que atuam, e mais do que tudo, responsabilizam aqueles que por ventura mentir, omitir ou tentar enganar, nas redes sociais, quem é o "médico", o "especialista", "baseado em quê?". Apenas falácias vazias que massageiam egos negacionistas.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Relatos de uma vida acadêmica desastrosa - Parte I

Anos que antecederam a graduação, frustrações e descobertas

Nem sempre uma escola conceituada nos prepara para a vida profissional, nem mesmo para desenvolver nossas verdadeiras habilidades.


SENAI Mariano Ferraz, empolgação no curso, decepção no trabalho. foto: Renato Oliveira


A primeira parte deste relato é na verdade sobre o período de alguns anos que antecedem o início da minha jornada na faculdade de jornalismo. Alguns anos de dúvidas e incertezas pós ensino médio que aos poucos fora desenhando o que talvez seja uma vocação ou uma simples afinidade.

Um dos últimos trabalhos que apresentei no ensino médio, foi uma peça baseada no livro O Pagador de Promessas de Dias Gomes. Àquele momento de certa forma o destino estava selado, o meu papel era o de jornalista, profissão que não imaginava que me seduziria anos depois, para ser exato 4 anos. Estudei em uma instituição ligada a um dos maiores bancos do país, sempre tive uma veia criativa, reprimida na maior parte dos 13 anos nos quais passei ali, inclusive por professoras de arte que desestimulavam minha paixão em desenhar carros. O resultado da equação, concluí o ensino básico sem a menor ideia do que faria da vida, inclusive rechaçando a ideia de uma possível graduação superior.

O ano era 2009, recém havia saído do ensino médio, desenhos acumulados, postar apenas no finado Orkut, no Facebook que começava a usar aos poucos já era a mesma coisa, foi quando tomei uma decisão e criei meu primeiro blog. Os desenhos não eram tão bons, as fotos eram feitas através de uma câmera com baixíssima qualidade, posteriormente através de um celular, moda na época, um do tipo slider da LG, pouco melhor, mas nada de qualidade absurda.

Escorregando na graxa: paixão pelo curso, decepção na oficina

No mesmo ano passei a procurar algum emprego, sem experiência, era uma tarefa da qual não dava muita importância, tinha alguns planos em mente, entrar no SENAI, fazer um curso técnico e trabalhar com manutenção automotiva, eu e minha antiga paixão por carros - nada de errado para quem abandonou os quadrinhos de Maurício de Souza e passou a exercitar a leitura através de revistas automotivas, no tempo que elas ainda traziam um certo vocabulário técnico.

Com o passar dos anos, fui fazendo alguns cursos de formação continuada no próprio SENAI, para variar, como muitas coisas na minha vida, envolvendo carros. Enfim no ano em que o calendário Maia previa o fim do Mundo, através da indicação de um instrutor, consegui meu primeiro emprego. Em 2012, o mundo era muito diferente do que é hoje, não era simples chegar a um lugar através do GPS, o Google Maps já existia, mas ter um smartphone era um luxo. Por sorte a oficina ficava há poucas quadras da estação Vila Olímpia da CPTM, um golpe de sorte que durara pouco, foi um ano caótico, era incidente quando os trens rodavam sem algum problema.

Um novo mundo acabara de tomar forma diante dos meus olhos, uma oficina grande, carros importados, o calor abafado do verão e sonhos que logo se esvaíram como o vapor volátil e inebriante da gasolina. A alegria de ter um emprego, logo virou um fardo pesado, trem lotado todos os dias, atrasos frequentes, um corpo que não descansava, um perfume que basicamente misturava gasolina, graxa e algumas notas aromáticas de óleo usado. Ali comecei a refletir sobre minha vida, sempre gostei de carros, mas falando sobre eles, a vida na oficina em nada se parecia com o curso, sem colegas, sem conversas, apenas recebendo ordens, fazendo tudo em nome da produtividade. Ferramentas? Básicas, isso quando até elas não estavam em falta.

Sábado pós carnaval, três semanas após o início do trabalho, enfim encontraria com um grande amigo, praticamente um irmão para sobre a nova vida de trabalhador, apesar de já ter desanimado ainda tentava fazer o esforço de adaptar-se àquela rotina. Já no domingo acordei com um desconforto, com o passar do dia fui piorando e os sinais eram claros, era mais uma vítima da virose, ao menos eram o que todos os médicos de Osasco dizima, seja na rede pública ou privada. Na segunda-feira estava me sentindo péssimo, sem forças para trabalhar, sozinho em casa liguei para meu chefe e expliquei a situação. Na terça-feira, durante a madrugada fui parar no pronto-socorro, estava tão desidratado que pela primeira vez na vida tive que tomar soro na veia. O horário era de troca de plantão, o médico havia ido embora quando acabou a medicação, a enfermeira e a recepcionista se recusaram a pedir atestado para outro médico, deveria ficar o resto da semana repousando. 

Durante a manhã, um pouco melhor, liguei para a oficina e avisei que deveria repousar durantes o restante da semana, parecia tudo tranquilo, engano infeliz. A semana começou com algo diferente, o clima estava agradável, todo trajeto foi feito sem atraso, sem lotações como o de costume. Ao chegar no trabalho, fui até o escritório e expliquei o incidente no hospital, um sorriso, um aperto de mãos e comecei o dia de trabalho. Tudo começou a ficar estranho, um ritmo frenético, não parei um instante até o almoço, durante o horário de almoço, era um dos poucos que não tinha o hábito de dormir. Vi meu chefe meio cabisbaixo, apesar de ser sócio, tinha a menor parte do negócio - em tempo era o único dos três com que me dava bem, era paciente, gostava de conversar e ensinar.

Com o passar da tarde, comecei a perceber um comportamento diferente dos mecânicos antigos da casa, alguns risonhos, outros que pareciam solidarizar antecipadamente com o que estava por vir, enfim, era chegada a hora de começar os procedimentos para voltar para casa. Ainda no vestiário, fui comunicado que precisava passar no escritório, naquele momento sabia exatamente qual seria o meu destino. Ainda não havia sido registrado, foi quando vi que um documento estava saindo quente da impressora e a conversa forçosamente amistosa, desfechara-se na assinatura de alguns documentos, o pagamento dos dias trabalhados e um adeus seco. Ao cruzar a porta que dava para a recepção me despedi das recepcionistas e do chefe da oficina que parecia arrasado. Fui calado junto com um colega do SENAI que entrou comigo na oficina e permaneceu por lá. Ele falava, mas eu permaneci calado a maior parte do trajeto, havia um ar jocoso na fala e nas expressões dele. Apenas quando desci na minha estação já sozinho, senti uma estranha e libertadora felicidade.  

Poucas oportunidades, novas oportunidades

Ainda em 2012, após a ressaca da despensa, era tempo de continuar atrás daqueles sonhos que se esvaziavam a cada não recebido de tantas oficinas, em um site de empregos, surgiu uma vaga. O trabalho seria na mesma cidade, bastava um ônibus para chegar, longe do glamour dos importados, uma empresa familiar, não pude deixar de notar logo de cara a desorganização misturada ao chão encardido de graxa e a prepotência de um empresário, que hoje percebo, estava afundando como minha vontade de me dedicar ao mundo da graxa. Bastou um dia para ser dispensado.

No final daquele ano, mais uma vez me reuni com meu amigo de longa data, Lucas, entre tantas conversas, começamos a empreitada de tirar a carteira de motorista. Nesse mesmo período, era frequentador de salas de bate-papo, amigos espalhados pelo Brasil, mas foi uma amiga que conheci naquele ano turbulento - e que ainda mantemos um certo contado - disse que pretendia cursar jornalismo, acabou tomando outro rumo, mas em nossas conversas descobri que tinha uma certa vocação para a coisa.

Os dois anos seguintes foram frustrantes, praticamente uma ou duas vezes na semana participava de processos de seleção, entrevistas, fichas preenchidas e raramente um retorno negativo. Na época, tentava de tudo, a vagas em grandes redes varejistas, lojas de shopping e até vagas para trabalhar no período noturno em centros de logística. Confesso que não era um candidato convencional, cabelo comprido e as respostas fora do comum, afinal, ainda hoje quando participo de um processo do tipo, não hesito em dizer que não conheço determinado assunto. A franqueza pode ser uma forma de auto sabotagem.

No meio de 2015, decidi usar a nota do ENEM que prestei no ano anterior e tomei a iniciativa de me inscrever em uma faculdade de grande porte na região da rua Vergueiro, a princípio pensei em requisitar o financiamento estudantil, o FIES, mas justo naquelas primeiras semanas de agosto, a então presidente Dilma Rousseff mudou as regras e cortou o investimento no programa. Na semana seguinte, fui até a instituição e tranquei a matricula, tentaram cobrar a primeira mensalidade, uma das poucas que não estendeu o prazo para a desistência, obviamente não paguei e não tive o nome incluso no sistema de proteção ao crédito como alegaram.

Assim encerramos a primeira parte, um caminho tortuoso, mas apenas o início de uma série de pequenos e grandes desastres, nos vemos em breve na segunda parte desta jornada.

Parte II

Parte III

Parte IV

Parte V

domingo, 21 de fevereiro de 2021

Um novo começo

Sim, é isso mesmo que você está pensando, não é uma miragem, estou de volta! O nome do blog mudou - pela segunda vez. Uma nova identidade visual surgiu e, uma nova ideia de conduzir os conteúdos aqui postados. Você pode estar se perguntando: quem lê blogs hoje em dia? Quem usa o Blogger, sendo que existem alternativas mais modernas e personalizáveis? Bom, tenho um enorme carinho pela plataforma, foi nela em que me identifiquei com o jornalismo, agora formado, mas aguardando o diploma, farei da prática um portfólio e uma forma de reconexão com o prazer em escrever.

Pauta que Caiu? Bom, em breve explicarei melhor em uma série de relatos a trajetória que tive na vida acadêmica, um tanto conturbada diga-se de passagem, mas da qual trago lembranças boas e algumas boas amizades, com destaque especial para Angela e Debora, ficámos inclusive conhecidos como "O Trio", pautas diferenciadas, leves com boas doses de humor e desafios, pautas que caíram foram raras, mas as pautas caídas aqui são um paralelo com pequenas frustrações, sobretudo quanto ao mercado de trabalho.

As postagens serão variadas, relatos crônicas, artigos, reflexões, análises e opinião. A abordagem será a mais clara e objetiva possível, sem excesso de polidez, mas sem deixar a realidade de lado, afinal, o jornalismo trabalha com recortes da realidade, portanto minha realidade pode diferir da realidade do leito, está tudo bem, a vivência e a experiência individual faz parte da vida em sociedade. E caso haja alguma duvida, VAI PRA PAUTA QUE CAIU!