sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Relatos de uma vida acadêmica desastrosa - Parte I

Anos que antecederam a graduação, frustrações e descobertas

Nem sempre uma escola conceituada nos prepara para a vida profissional, nem mesmo para desenvolver nossas verdadeiras habilidades.


SENAI Mariano Ferraz, empolgação no curso, decepção no trabalho. foto: Renato Oliveira


A primeira parte deste relato é na verdade sobre o período de alguns anos que antecedem o início da minha jornada na faculdade de jornalismo. Alguns anos de dúvidas e incertezas pós ensino médio que aos poucos fora desenhando o que talvez seja uma vocação ou uma simples afinidade.

Um dos últimos trabalhos que apresentei no ensino médio, foi uma peça baseada no livro O Pagador de Promessas de Dias Gomes. Àquele momento de certa forma o destino estava selado, o meu papel era o de jornalista, profissão que não imaginava que me seduziria anos depois, para ser exato 4 anos. Estudei em uma instituição ligada a um dos maiores bancos do país, sempre tive uma veia criativa, reprimida na maior parte dos 13 anos nos quais passei ali, inclusive por professoras de arte que desestimulavam minha paixão em desenhar carros. O resultado da equação, concluí o ensino básico sem a menor ideia do que faria da vida, inclusive rechaçando a ideia de uma possível graduação superior.

O ano era 2009, recém havia saído do ensino médio, desenhos acumulados, postar apenas no finado Orkut, no Facebook que começava a usar aos poucos já era a mesma coisa, foi quando tomei uma decisão e criei meu primeiro blog. Os desenhos não eram tão bons, as fotos eram feitas através de uma câmera com baixíssima qualidade, posteriormente através de um celular, moda na época, um do tipo slider da LG, pouco melhor, mas nada de qualidade absurda.

Escorregando na graxa: paixão pelo curso, decepção na oficina

No mesmo ano passei a procurar algum emprego, sem experiência, era uma tarefa da qual não dava muita importância, tinha alguns planos em mente, entrar no SENAI, fazer um curso técnico e trabalhar com manutenção automotiva, eu e minha antiga paixão por carros - nada de errado para quem abandonou os quadrinhos de Maurício de Souza e passou a exercitar a leitura através de revistas automotivas, no tempo que elas ainda traziam um certo vocabulário técnico.

Com o passar dos anos, fui fazendo alguns cursos de formação continuada no próprio SENAI, para variar, como muitas coisas na minha vida, envolvendo carros. Enfim no ano em que o calendário Maia previa o fim do Mundo, através da indicação de um instrutor, consegui meu primeiro emprego. Em 2012, o mundo era muito diferente do que é hoje, não era simples chegar a um lugar através do GPS, o Google Maps já existia, mas ter um smartphone era um luxo. Por sorte a oficina ficava há poucas quadras da estação Vila Olímpia da CPTM, um golpe de sorte que durara pouco, foi um ano caótico, era incidente quando os trens rodavam sem algum problema.

Um novo mundo acabara de tomar forma diante dos meus olhos, uma oficina grande, carros importados, o calor abafado do verão e sonhos que logo se esvaíram como o vapor volátil e inebriante da gasolina. A alegria de ter um emprego, logo virou um fardo pesado, trem lotado todos os dias, atrasos frequentes, um corpo que não descansava, um perfume que basicamente misturava gasolina, graxa e algumas notas aromáticas de óleo usado. Ali comecei a refletir sobre minha vida, sempre gostei de carros, mas falando sobre eles, a vida na oficina em nada se parecia com o curso, sem colegas, sem conversas, apenas recebendo ordens, fazendo tudo em nome da produtividade. Ferramentas? Básicas, isso quando até elas não estavam em falta.

Sábado pós carnaval, três semanas após o início do trabalho, enfim encontraria com um grande amigo, praticamente um irmão para sobre a nova vida de trabalhador, apesar de já ter desanimado ainda tentava fazer o esforço de adaptar-se àquela rotina. Já no domingo acordei com um desconforto, com o passar do dia fui piorando e os sinais eram claros, era mais uma vítima da virose, ao menos eram o que todos os médicos de Osasco dizima, seja na rede pública ou privada. Na segunda-feira estava me sentindo péssimo, sem forças para trabalhar, sozinho em casa liguei para meu chefe e expliquei a situação. Na terça-feira, durante a madrugada fui parar no pronto-socorro, estava tão desidratado que pela primeira vez na vida tive que tomar soro na veia. O horário era de troca de plantão, o médico havia ido embora quando acabou a medicação, a enfermeira e a recepcionista se recusaram a pedir atestado para outro médico, deveria ficar o resto da semana repousando. 

Durante a manhã, um pouco melhor, liguei para a oficina e avisei que deveria repousar durantes o restante da semana, parecia tudo tranquilo, engano infeliz. A semana começou com algo diferente, o clima estava agradável, todo trajeto foi feito sem atraso, sem lotações como o de costume. Ao chegar no trabalho, fui até o escritório e expliquei o incidente no hospital, um sorriso, um aperto de mãos e comecei o dia de trabalho. Tudo começou a ficar estranho, um ritmo frenético, não parei um instante até o almoço, durante o horário de almoço, era um dos poucos que não tinha o hábito de dormir. Vi meu chefe meio cabisbaixo, apesar de ser sócio, tinha a menor parte do negócio - em tempo era o único dos três com que me dava bem, era paciente, gostava de conversar e ensinar.

Com o passar da tarde, comecei a perceber um comportamento diferente dos mecânicos antigos da casa, alguns risonhos, outros que pareciam solidarizar antecipadamente com o que estava por vir, enfim, era chegada a hora de começar os procedimentos para voltar para casa. Ainda no vestiário, fui comunicado que precisava passar no escritório, naquele momento sabia exatamente qual seria o meu destino. Ainda não havia sido registrado, foi quando vi que um documento estava saindo quente da impressora e a conversa forçosamente amistosa, desfechara-se na assinatura de alguns documentos, o pagamento dos dias trabalhados e um adeus seco. Ao cruzar a porta que dava para a recepção me despedi das recepcionistas e do chefe da oficina que parecia arrasado. Fui calado junto com um colega do SENAI que entrou comigo na oficina e permaneceu por lá. Ele falava, mas eu permaneci calado a maior parte do trajeto, havia um ar jocoso na fala e nas expressões dele. Apenas quando desci na minha estação já sozinho, senti uma estranha e libertadora felicidade.  

Poucas oportunidades, novas oportunidades

Ainda em 2012, após a ressaca da despensa, era tempo de continuar atrás daqueles sonhos que se esvaziavam a cada não recebido de tantas oficinas, em um site de empregos, surgiu uma vaga. O trabalho seria na mesma cidade, bastava um ônibus para chegar, longe do glamour dos importados, uma empresa familiar, não pude deixar de notar logo de cara a desorganização misturada ao chão encardido de graxa e a prepotência de um empresário, que hoje percebo, estava afundando como minha vontade de me dedicar ao mundo da graxa. Bastou um dia para ser dispensado.

No final daquele ano, mais uma vez me reuni com meu amigo de longa data, Lucas, entre tantas conversas, começamos a empreitada de tirar a carteira de motorista. Nesse mesmo período, era frequentador de salas de bate-papo, amigos espalhados pelo Brasil, mas foi uma amiga que conheci naquele ano turbulento - e que ainda mantemos um certo contado - disse que pretendia cursar jornalismo, acabou tomando outro rumo, mas em nossas conversas descobri que tinha uma certa vocação para a coisa.

Os dois anos seguintes foram frustrantes, praticamente uma ou duas vezes na semana participava de processos de seleção, entrevistas, fichas preenchidas e raramente um retorno negativo. Na época, tentava de tudo, a vagas em grandes redes varejistas, lojas de shopping e até vagas para trabalhar no período noturno em centros de logística. Confesso que não era um candidato convencional, cabelo comprido e as respostas fora do comum, afinal, ainda hoje quando participo de um processo do tipo, não hesito em dizer que não conheço determinado assunto. A franqueza pode ser uma forma de auto sabotagem.

No meio de 2015, decidi usar a nota do ENEM que prestei no ano anterior e tomei a iniciativa de me inscrever em uma faculdade de grande porte na região da rua Vergueiro, a princípio pensei em requisitar o financiamento estudantil, o FIES, mas justo naquelas primeiras semanas de agosto, a então presidente Dilma Rousseff mudou as regras e cortou o investimento no programa. Na semana seguinte, fui até a instituição e tranquei a matricula, tentaram cobrar a primeira mensalidade, uma das poucas que não estendeu o prazo para a desistência, obviamente não paguei e não tive o nome incluso no sistema de proteção ao crédito como alegaram.

Assim encerramos a primeira parte, um caminho tortuoso, mas apenas o início de uma série de pequenos e grandes desastres, nos vemos em breve na segunda parte desta jornada.

Parte II

Parte III

Parte IV

Parte V

Um comentário:

  1. Ah, Coko, o que dizer? Me identifico ainda mais contigo depois de ler este texto. As pessoas acham que somos fracos porque reconhecemos nossas fraquezas e ignorâncias. E, na verdade, somos fracos, mas não por reconhecer nossas debilidades, muito pelo contrário. O mundo é mesmo tortuoso para quem sabe que não é dono dele. Sigamos, aprendamos e aceitemos ele tal como é.

    Sucesso!

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