sexta-feira, 5 de março de 2021

Relatos de uma vida acadêmica desastrosa - Parte II

Um ano de aventuras e oportunidades

Nem sempre as coisas acontecem conforme planejamos, mas é preciso enxergar as oportunidades que surgem quando menos esperamos.

A primeira aventura do ano, sem sinal de telefone e internet, às margens do Rio Paranapanema, na outra margem, o estado do Paraná. Foto: Renato Oliveira

O ano de 2016 não começou com grandes perspectivas, mas as coisas haviam mudado, meus pais estavam dispostos a ajudar com a faculdade, afinal era um investimento em educação. No final de janeiro embarquei em uma aventura com meu pai, um tio e meu irmão, uma sexta-feira típica de verão, calor e no final da tarde o tempo estava para chuva, mas a viajem transcorreu mesmo assim. Quatro homens da mesma família, abordo de um Gol 1991, carro que meu pai adquirira no início de 2013, que após muito trabalho de funilaria, trocas de peças e revisões mecânicas estava naquele momento, 3 anos depois de cuidados, prestes a encarar 460 km/h até o oeste paulista.

Saímos após uma chuva rápida, enfrentamos um pouco de trânsito no trecho urbano da rodovia Castelo Branco, normal para o horário em uma sexta-feira. Sem maiores complicações, até a aproximação de Sorocaba, quando o termômetro começou a indicar que o motor estava aquecendo. Uma parada no acostamento, uma olhada rápida no sistema de arrefecimento, não parecia fora do normal, inclusive com a retirada da válvula termostática - não recomendo a retirada da peça, ao menos em casos extremos ou mal funcionamento. O ponteiro insistia em ultrapassar os 100 graus centigrados, após duas paradas, a conclusão, o problema estava no painel. Seguimos viagem e por volta da meia-noite chegamos ao nosso destino. 

Sábado com sol, apesar da chuva forte da madrugada. Um dia para observar a natureza, não fazer quase nada isolado sem sinal de celular ou internet. Algumas fotos da paisagem, do rio Paranapanema, claro sob sol forte e muito calor. No final do dia um churrasco quase interrompido por uma tempestade de verão, mas tudo certo, domingo pela manhã enfrentaríamos cansativas horas de viagem no retorno a São Paulo.

Choveu praticamente toda a noite, o dia alvoreceu ameno, mas os pássaros como de costume cantavam, um banho rápido, um café puro sem muita frescura e pé na estrada. Ainda pelas estradas vicinais do interior, o carro começa a falhar, havia combustível no tanque, encostamos em local seguro com uma grande área de escape, com uma distância por volta de 10 metros da faixa de rodagem. Importante para quem pretende se aventurar com um carro antigo, saiba o mínimo de mecânica e conheça o funcionamento do carburador que equipa o seu motor. Filtro de ar removido, verificando os giclês, um pedaço da vegetação aparentando um fragmento de folha de cana-de-açúcar fora responsável pelo defeito.

A viagem por fim transcorreu bem, até a aproximação com a região metropolitana de São Paulo, a essa altura já não suportava mais a dor no joelho direito, provocada pelo pouco espaço no banco traseiro do Gol, uma ação policial acabou com a prisão de assaltantes nas proximidades de Itapevi, atrasando o retorno em mais de uma hora e meia. Enfim em casa, hora de descansar e atualizar as redes sociais. 

Em uma conversa com o mesmo amigo de longa data, fiquei sabendo que a faculdade na qual ele estudava estava com vestibular para vagas remanescentes, a ideia era fazer o vestibular no meio do ano. mas acatei a ideia de iniciar ainda no primeiro semestre. Incitaria o curso com alguns dias de atraso, mas não pensei muito e no mesmo dia fiz minha inscrição, a prova seria na terça-feira.

O início de uma nova jornada

Primeira pauta externa: encontro mensal de veículos antigos no Parque da Luz. Foto: Renato Oliveira

Uma semana extremamente corrida, a prova foi realizada em um computador, no dia seguinte, saiu o resultado, uma instituição de ensino privada obviamente aprovaria qualquer um. Quinta-feira corrida, separando documentos e no dia seguinte, matricula realizada. 

Após um final de semana de descanso e preparativos, a segunda-feira passou voando. Final da tarde, enfim se aproximava o momento em que me tornaria de fato um calouro. Minha mãe no final de suas férias me levou de carro, desci rapidamente, passei pela catraca e perguntei ao segurança onde ficavam as turmas de jornalismo, não soube me explicar, então comecei a jornada por aquele Campus que ocupa quase 400 metros da avenida Franz Voegeli. Após 20 minutos aproximadamente consegui me encontrar, havia entrado praticamente de frente para o local da minha sala, o bloco amarelo.

Ao chegar na porta, sinto um frio na barriga, bato educadamente e entro pedindo licença, naquele momento todos se viram e acompanham minha breve caminhada até a mesa do professor, que recusou o papel que dizia que estava entrando na turma e logo me deu as boas-vindas. Era Luiz Carlos Seixas, professor de Política e Realidade Socioeconômica Brasileira, que apesar de divergências sobre as maneiras de pensar o país, tenho ainda hoje muito carinho e admiração. Aos poucos os colegas foram se apresentando, ainda tímido permaneceria reservado por mais alguns dias.

Conhecendo os demais professores, o encantamento com as aulas, a maioria teórica, exceto pelo coordenador do curso, Marcello Rollemberg, a voz que forte preenchia a sala, não demorou muito e nos foi passada a primeira tarefa: "saiam, vão para a rua e voltem com uma notícia!" Sabia que não era brincadeira, mas uma colega incrédula riu e ouviu uma bronca homérica. Na aula seguinte entendi o método, um professor exigente, porém um grande jornalista e um ótimo educador, sempre corrigindo os erros.

Andei boa parte do semestre com o cara mais esquisito da turma, recordava dados com extrema facilidade, mas era muito repetitivo, insistia em falar apenas de futebol e do Palmeiras, seu time do coração, como ele mesmo dizia: "por ser descendente de italianos". Conversava com praticamente todos da turma, me aproximei mais de alguns do que de outros, fiz amizades que cultivo até hoje, 5 anos depois.

Sempre participei das aulas ao meu jeito, muitas vezes parafraseando os professores como forma de certificar que havia compreendido o conceito, admirado por alguns, talvez detestado por outros, mas nunca me neguei a explicar os conceitos dos quais tinha facilidade com quem quer que fosse. Faculdade não é competição, sempre pensei assim, mas um local de crescimento pessoal e coletivo. E assim foi o primeiro semestre, sem grandes complicações, um exame, mas nenhuma dependência, como no restante do curso.

Da calmaria surge a tempestade

Pateo do Colégio: local de nascimento de São Paulo, no dia que nasceu uma grande amizade, um domingo cinzento de setembro. Foto: Renato Oliveira

Férias de julho, tudo corria bem, ainda no primeiro semestres, já me candidatava à vagas de estágio, algumas entrevistas, mas sem sucesso, mas não desanimava, afinal, tinha plena consciência de que seria difícil conseguir uma oportunidade nos primeiros semestres. 

Voltando às aulas, novos desafios, tudo corria bem, a regularidade das aulas era a mesma, raramente algum docente se ausentava, entretanto a aparente calmaria guardava por meses conturbados, a incerteza não tardou a ser instalada. O período das provas seguiu ainda dentro de uma normalidade, mas era nítido que muitos dos professores já não escondiam a insatisfação, alguns claramente estressados, outros desanimados, desmotivados e as faltas que passaram a ter uma certa frequência.

No período pós avaliação, alguns professores começaram a desabafar em sala, não imagina que aquilo seria possível. Uma instituição com 50 anos de história não pagava o salário há pelo menos 18 meses, com toda razão eles fizeram diversas manifestações. Mas para os alunos era desesperador, qual seria o destino de tudo aquilo? Perderíamos o semestre? Mesmo com todo esse cenário desfavorável, algumas coisas boas aconteceram, me aproximei mais de Angela e Debora, minhas maiores amizades da faculdade para a vida e, no dia 25 de setembro, aniversário de Debora, fizemos uma aula na rua pelo Centro de São Paulo, um domingo chuvoso e frio que foi essencial para selar de vez a amizade.

No meio de tantas incertezas, não participei das manifestações presencialmente, mas não desmotivei ninguém a participar, por diversas vezes aparecia no Campus mesmo sem aulas para conversar com colegas, amigos e, esporadicamente uma reunião com professores ou mesmo uma conversa mais informal com alguns deles. A importância desses encontros foram únicas, àquela altura, a maioria dos alunos perderam a confiança no coordenador do curso, mas me dispus a conversar, compreender e perceber que cada um sofre do seu jeito. Foi no momento que coloquei na prática um dos maiores aprendizados que tive com Rollemberg, que um jornalista deve mais ouvir do que falar, eu o ouvi, assim como fiz com os demais.

A crise apenas se agravara - ainda hoje os professores não receberam o que lhes é de direito, muitos inclusive tiveram que vender seus veículos, outros chegaram a ser despejados, uma situação terrível. Minha maior preocupação, não deixando de lado a empatia, era sobre o final do semestre, concluir o primeiro semestre teoricamente tornaria mais fácil a mudança para outra instituição. Alguns professores aplicaram as provas, outros se recusaram e assim terminou o ano de 2016.

Não havia mais esperança, nem mesmo ânimo para buscar uma alternativa. Algo me confortava: "pode contar comigo, não deixarei vocês na mão", foi uma das frases que mais marcaram nas conversas que tive com Rollemberg. Muitos não acreditavam em suas palavras, afinal não fazia parte dos grevistas como disse acima, mas dei o meu voto de confiança a quem sempre tratou comigo o assunto com sinceridade. Um jornalista que não confia em uma fonte por se opor à maioria, não saberá jamais dar voz a quem está do outro lado de uma narrativa. Assim foi aquele ano turbulento que não terminou no dia 31 de dezembro.

Parte I

Parte III

Parte IV

Parte V

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