Não pude deixar de observar em um canto meio esquecido uma
Brasília, o carro bem judiado e com sinais de início de reforma. Observando mais
atentamente, lembrei que aquela Brasília era o carro de transporte do açougue
da dona Dilma, sócia do senhor Michel. Perguntei para Rodrigo o que o carro
fazia parado ali. O mecânico sem mais cerimônias contou sobre o causo. Dona
Dilma estava maquiando as contas do açougue, os funcionários avisaram seu
Michel que logo deu um jeito de desfazer a sociedade. Ficou a Brasília como
espólio e Michel deu início à reforma.
Puxando pela memória fui lembrando de como a Brasília era
quando pertencia ao seu Luiz: ela realmente parecia mais lustrosa, me distraí
lembrando os velhos tempos, até que o Neves, sujeito sem escrúpulos, continuou
a contar a história da Brasília. Dona Dilma, quando soube que perderia a posse
do carro, deixou a manutenção de lado, entregou toda detonada para seu Michel –
contava rindo .O velho senhor quase perde o açougue com um escândalo nas
carnes, deu até polícia, mas se livrou das acusações e começou as reformas.
Olhando para a Brasília, já um pouco alegre por causa das
cervejas e farto de tanto comer, comecei a prestar atenção nos remendos,
pareciam bons de longe, mas ao me aproximar eram bem ruins. Rodrigo, afilhado
de Michel, logo começou a defender o padrinho, dizendo que no tempo que ficou
com o carro o patrono fez muitas melhorias nele, colocou pneus novos e fez
outras pequenas melhorias mecânicas e estéticas. Papo furado! Não me convenci
sobre tais melhoras apesar de realmente existirem peças em bom estado.
As horas foram passando e a Brasília ficou ali esquecida, até
que o clima de leilão tomou conta da pequena oficina. Seu Michel foi o primeiro
a chegar, Fernando e Jair não demoraram muito, vieram pela rua já batendo boca,
disputando para saber quem compraria o veículo e terminaria aquela reforma
inacabada. Fernando é um sujeito um tanto moderno, propôs uma transformação na
Brasília, mas o sobrinho de Dona Dilma não passou credibilidade ao dar seu
lance. Jair, um militar reformado e caricato, prometeu investir na Brasília
buscando uma restauração mais tradicional, algo acordado por Michel que
sinalizou aceitar a venda.
Olhei
para meu copo ainda cheio, pensei em tudo que havia presenciado e tive uma
única certeza: o relógio dizia que era hora de voltar para casa. Em um gole
acabei com aquela cerveja já morna, levantei um pouco desiquilibrado, talvez
até atordoado com tanta conversa, pedi mais uma vez um carro e ao chegar em
casa já dei a ressaca por certa. Afinal, é sempre complicado falar sobre
Brasília, seja aquela antiga da Volkswagen ou a cidade planejada de Oscar
Niemayer e Lúcio Costa, ambas são barulhentas, uma com motor dentro do carro a
outra com suas discussões internas que sufocam os sonhos de
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